ISSN: 1806-9401
a música enquanto estratégia narrativa em brás cubas, de júlio ...

A MÚSICA ENQUANTO ESTRATÉGIA NARRATIVA EM BRÁS CUBAS, DE JÚLIO BRESSANE
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LÚCIA ALMEIDA é Doutoranda em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina


Tradicionalmente, a história da literatura priorizou a catalogação de obras literárias e autores, a classificação desse material em determinados gêneros ao longo do tempo, além da elaboração, em certa medida, de estudos voltados para a sua compreensão ou interpretação. Contudo, o contato com as idéias de Hans Ulrich Gumbrecht em Modernização dos sentidos[1] e no ensaio "O campo não-hermenêutico ou a materialidade da comunicação"[2] aponta para um novo foco, no qual é ressaltada a importância da participação dos meios de comunicação na construção de sentido. Sem abrir mão do trabalho realizado pelos historiadores, afastando-se, porém, das suas prioridades, o que Gumbrecht propõe é uma história das materialidades da comunicação. No tocante ao campo da literatura, interessaria, por exemplo, a descrição da relação primordial da forma literária com seus meios de difusão, postura que problematiza a arraigada divisão entre as ciências exatas e as ciências humanas, entre o corpo e o espírito. Destaca-se, nessa direção, o trabalho de Paul Zumthor, que, em A letra e a voz[3], estuda a "literatura" medieval, com realce para participação do corpo e especialmente da voz como meios de expressão nos eventos literários ocorridos até o século XV. O autor escreve um capítulo importante nessa outra história, ao concentrar a atenção em um período no qual a "literatura" constituía um acontecimento e a construção dos sentidos se dava com a performance, com a atuação simultânea de espírito e corpo. A participação deste último foi recalcada com o advento da imprensa e com a consagração do livro como principal veículo para o código literário. Entre outras coisas, os estudos de Gumbrecht também abordam o aspecto performático dos eventos medievais e investigam as posteriores formas de acoplagem da literatura com as materialidades comunicativas, descrevendo, portanto, uma trajetória diferenciada, na qual é possível a tematização do "significante sem necessariamente associá-lo ao significado"[4].

Com base nessas idéias, a aproximação entre literatura e música, alvo deste estudo, coloca-se não apenas no campo da substância, mas muitíssimo no campo da forma, mais no escopo das estratégias narrativas do que no desvendamento de um sentido profundo a ser interpretado. Em uma publicação recente, Solange Ribeiro de Oliveira chama a atenção para as afinidades entre as artes, concentrando-se, mais especificamente, no objeto da chamada melopoética: as aproximações entre literatura e música. Em meio às várias possibilidades de estudo delineadas pela autora, esta cita as pesquisas de Jean-Louis Cupers, autor que, ao posicionar a trilha sonora como matéria de interesse para os estudiosos da área, inclui o cinema entre os seus prováveis alvos[5]. Portanto, é com esse olhar, municiado pelas reflexões de Gumbrecht e de Zumthor e pelos caminhos apontados por Solange R. de Oliveira, que me volto para o livro Memórias póstumas de Brás Cubas[6], de Machado de Assis, e, especialmente, para o filme de Júlio Bressane, Brás Cubas, no qual a interface literatura/música se faz presente. Memórias[7] foi primeiramente publicado em partes, entre março e dezembro de 1880, na Revista Brasileira, do Rio de Janeiro, e em livro no ano seguinte; o filme foi lançado mais de cem anos depois, em 1985, com direção e roteiro de Bressane. Tal película não foi a única adaptação do romance para o cinema, pois, em 1967, Fernando Cony Campos dirigiu Viagem ao fim do mundo e, no ano de 2001, André Klotzel realizou Memórias póstumas, adaptação calcada na fidelidade ao texto machadiano.

BRÁS CUBAS-MÚSICA

O trânsito da literatura para as películas é questão primordial no cinema de Júlio Bressane, que, no ensaio Brás Cubas[8], atribui à "tradução criativa" uma posição central no trabalho com o romance de Machado. Com a adoção de tal estratégia para promover a travessia das "memórias" do livro para o filme, o autor põe no foco principal a criatividade e inclui no itinerário de aproximação ao seu filme os estudos desenvolvidos por Haroldo de Campos sobre a "tradução criativa" ou "transcriação". O cineasta acessa a teoria haroldiana concentrada intrasemioticamente no campo poético, para realizar uma operação de tradução criativa intersemiótica, ou seja, entre linguagens diferentes, da literária para a cinematográfica. Para ele, a tradução no cinema inclui "luz-movimento-angulação-montagem", o que implica descobrir "uma tradição de clichês cinematográficos" que recriados possam dar "uma idéia do formalismo do texto, do objeto, do espírito, do humor, do mau humor, do original"[9]. Portanto, a questão não é o abandono da noção de equivalência - já que "transcriar" também implica uma relação de reciprocidade do texto base com a sua tradução - e sim, o enfraquecimento da idéia de fidelidade literal.

Numa postura bastante alinhada com a de Gumbrecht, Bressane não realiza um trabalho de desvendamento de um sentido ainda não acessado em Memórias póstumas de Brás Cubas, também não realiza uma transplantação do texto machadiano para as telas. O cineasta parece, isto sim, "buscar, nos vários aspectos do trabalho de composição, analogias formais entre cinema e literatura, de modo a traduzir os métodos de Machado de Assis, e não o conteúdo da história"[10]. Brás Cubas não cabe na condição de decalque em relação ao livro, mas mantém com este um diálogo constante e visceral, fazendo emergir do interior do romance diferentes facetas relacionadas a outras artes. Sobre isso, o diretor afirma o seguinte:


O filme se chama Brás Cubas. Não é um livro. É um filme. Desmembrei o livro e descobri nele o Brás Cubas-livro, o Brás Cubas-música, o Brás Cubas-pintura. Dessa dissecação nasceu o filme, fundamentalmente porque senti na prosa do escritor conceitos de montagem cinematográfica. Isso é fantástico. O livro é de 1880, antes do cinema.[11]


Entre as sofisticadas estratégias narrativas do cineasta, que incluem a quase supressão da voz do narrador, a preservação de pouquíssimos diálogos e uma fotografia bastante elaborada, a que me interessa aqui se liga ao "Brás Cubas-música", traduzido no filme pela inserção de obras musicais que pertencem a diferentes gêneros, tais como o samba, o baião, o tango, a música clássica instrumental e a ópera. Esse "Brás Cubas-música", descoberto por Bressane ao desmontar a malha formadora de Memórias, talvez seja mais bem compreendido se consideradas as reflexões de Roberto Schwarz em Um mestre na periferia do capitalismo, de 1990. No citado livro, o autor corrobora a percepção do cineasta quando chama a atenção para "a profusão e natureza crucial das relações implicadas no andamento da prosa machadiana, e o extraordinário contraste de vozes orquestradas em sua música, verdadeiramente complexa"[12]. Schwarz faz uma ligação da sinuosidade da composição do livro, iniciado pelo dia da morte e não pelo do nascimento do narrador e constituído por interrupções constantes no fluxo do romance entre Brás Cubas e Virgília, com as variações implicadas nas composições musicais: "No plano da composição, por assim dizer musicalmente, o emaranhado de marchas e contramarchas em tempo, espaço e assuntos - a barragem digressiva inicial - será seguido de uma linha narrativa delgada ainda que sinuosa e interrompida"[13]. Ademais, o crítico enxerga traços de um "Brás Cubas-música", inclusive, no célebre capítulo de encerramento do livro, pois, para ele, haveria musicalidade na construção de Machado de Assis dos argumentos que formam o balanço da vida do narrador em "Das negativas":


Sarcasticamente musical, a condução do argumento alterna os passivos com ativos que, salvo na perspectiva egoísta e classista da personagem, não contrabalançam os primeiros, pois são outras tantas dívidas, tornando ainda mais pronunciado o desequilíbrio das contas. A tensão resolve-se na célebre frase final, por um superavit que é o déficit mais irrecuperável, ou por um déficit que é o único saldo que conta: "- Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria".[14]


No filme, o "Brás Cubas-música" se materializa como voz narrativa, auxilia no delineamento dos personagens, participa na determinação dos humores da história, fornece indícios para a localização dos acontecimentos no tempo e no espaço, dá contorno aos ápices e é um dos marcadores do andamento da trama. São raros os momentos em que a música não tenha participação capital na película, substituindo, inclusive, em algumas cenas, as falas dos personagens, que executam movimentos labiais sem que o espectador possa ouvir o que estão dizendo.

Com o objetivo de compreender o papel da música na construção da narrativa em Brás Cubas, adoto como estratégia a configuração de um recorte bastante conciso, pois focalizo, especificamente, a participação na película de duas canções pertencentes a gêneros distintos da música brasileira: o samba e o baião. Assim, daqui em diante, observo, primeiramente, a utilização por parte de Júlio Bressane, da canção "Fiz um samba", de José Borba, e, em um segundo momento, discorro sobre a inserção no filme do baião "Qui nem jiló", de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Vale acrescentar que, em certa medida, a participação das referidas canções brasileiras ilustra o papel geral que a música, sob a configuração de gêneros diferenciados, tem em Brás Cubas.

A "TRANSCRIAÇÃO" DE MEMÓRIAS: DO SILÊNCIO AO SAMBA-CANÇÃO

Já na primeira cena, surge "Fiz um samba", de José Borba, composição de 1940 que participa da recriação da dedicatória, da nota de Brás Cubas "Ao leitor" e de parte do primeiro capítulo do romance. Para entender o papel desta canção, vale abordar as reflexões de José Miguel Wisnik em O Som e o sentido, apresentado pelo autor como um livro que "fala do uso humano do som e da história desse uso", como um livro "sobre vozes, silêncios, barulhos, acordes, tocatas e fugas, em diferentes sociedades e tempos"[15]. Embora essa história não contemple a música popular brasileira, ainda assim é de extremo interesse, pois, no primeiro capítulo "Som, ruído e silêncio", o autor disseca a estrutura sonora, aponta as similitudes entre música e corpo, tais como o pulso musical e o pulso sanguíneo, e lembra que já no útero o feto é submetido às batidas do coração da mãe, som que coloca, desde o início, o ritmo como um elemento básico da percepção humana. Em oposição às sonoridades periódicas, figura a desordem e a interferência do ruído, "aquele som que desorganiza outro, sinal que bloqueia o canal, ou desmancha a mensagem, ou desloca o código"[16], como, por exemplo, a microfonia, que, ademais, fere os ouvidos. Além da física e metafísica do som, e da antropologia do ruído, o capítulo trata também do outro extremo, o silêncio, que pode até ser ruidoso na natureza, como no caso das ondas do mar, "freqüência difusa de todas as freqüências". Wisnik lembra que do mundo fazem parte o barulho e o silêncio, articulados pela música, que extrai sonoridade do ruído.

Essas reflexões se relacionam intimamente com a estratégia de adaptação utilizada na abertura de Brás Cubas, pois o diretor e roteirista articula três sonoridades: o silêncio, o ruído e a música. Além do início do primeiro capítulo, o plano que abre o filme transcria "memórias póstumas" (idéia ausente no título da película), a nota assinada por Brás Cubas e a dedicatória que dá início ao livro, na qual o narrador indica a sua condição de defunto: "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas". Precedida por uma abertura absolutamente silenciosa, que contém apenas o crédito "Júlio Bressane apresenta - Brás Cubas", a cena, de aproximadamente dois minutos e meio, sem cortes, tem início com a focalização do rosto de um esqueleto humano, que, com a ampliação do foco, percebemos estar deitado sobre uma superfície em meio à névoa. Ao seu lado, um homem segura o fio de um microfone, faz com que o artefato penda e deslize sobre os ossos, tocando-os. Primeiro, o microfone é introduzido em uma das cavidades oculares, nesse momento, uma voz em "off" pronuncia, em tom cavernoso, a palavra "necrofone"; em seguida, o aparelho é encaminhado na direção dos pés do esqueleto e, ao tocar os ossos, provoca ruídos; o "necrofone" é deslocado e penetra novamente em uma das cavidades oculares. Então, através de um movimento de câmera, o plano é invertido, o esqueleto passa a ocupar a parte superior da tela, enquanto o técnico com o "falo sonoro"[17] fica posicionado na inferior. Após a inversão da imagem, toda a movimentação é repetida, só que dessa vez os ruídos do atrito com os ossos são suplantados pelos versos da canção "Fiz um samba", interpretada pelo "rei da voz" Francisco Alves, que canta

Dos casebres da favela
Do silêncio da capela
Onde eu rezo com fervor
Da luz clara do luar
Que ilumina o céu e o mar
E as campinas sempre em flor
Eu fiz um samba para o meu amor (2x)


Terminada a movimentação do "necrofone", tem inicio a adaptação do primeiro capítulo do livro ao som da segunda parte do samba. Há um corte para a imagem de um formigueiro, sucedida pela focalização de um jardim austero e depois do mar com montanhas ao fundo. Tudo isso ao som dos seguintes versos:


Da noite escura sem lua
Da chuva que cai na rua
Aumentando a minha dor
Do pranto dos olhos meus
Da fé que eu tenho em Deus
Nosso pai nosso senhor
Eu fiz um samba para o meu amor (2x)


As "memórias póstumas", suprimidas no título do filme, vêm à tona através dos vários artifícios citados, sem que nada seja verbalizado, além dos versos da canção e do neologismo "necrofone", termo que nomeia o artefato que capta a voz do além-túmulo, conectando metaforicamente dois mundos, o anterior e o posterior à morte de Brás Cubas, ocorrida, como informa o primeiro capítulo do livro, em um bairro do Rio de Janeiro, "às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869". Bressane encaminha o espectador ao tempo das "memórias" gradativamente: a primeira etapa do trajeto se dá através da canção que, aos poucos, auxilia no direcionamento dos olhares para o Rio de Janeiro do passado; já a segunda etapa tem lugar quando surgem na tela as imagens referentes ao dia da morte de Brás Cubas, pois estas completam a volta no tempo, possibilitando ao espectador situar as "memórias póstumas" no contexto do século XIX.

No plano inicial do filme, Júlio Bressane opera com o silêncio, a imagem, a palavra inventada, a palavra cantada e também com o ruído. Segundo José Miguel Wisnik, a "definição de ruído como desordenação interferente ganha um caráter mais complexo em se tratando de arte, em que se torna um elemento virtualmente criativo, desorganizador de mensagens/códigos cristalizados e provocador de novas linguagens"[18]. É dentro de um contexto de criatividade que o ruído é utilizado de duas formas diferentes na cena que abre o filme: na primeira, aparece como uma interferência, como um desorganizador da perenidade do silêncio, pois, em meio à névoa, o "necrofone" procura por vibrações acústicas, por uma voz do além-túmulo, pela voz de Brás Cubas, mas, inicialmente, tudo o que transmite é o ruído provocado pelo seu próprio contato com a ossada do finado; na segunda, com a inversão do plano, o ruído aparece como um dos elementos na composição da voz de narração de Brás Cubas, pois, com as posições trocadas, a iniciativa passa do artefato sonoro para o defunto, que se faz ouvir através da canção "Fiz um samba", numa gravação carregada de ruídos típicos dos discos antigos. Estes fazem a bela voz de Francisco Alves parecer ainda mais distante no tempo, auxiliando na construção do contexto de antiguidade das memórias de Brás Cubas. "Morto que escreve. Escreve e canta. Canta um samba."[19].

Até a entrada da canção, o espectador tem basicamente três informações: existe um morto; ele se chama Brás Cubas e há entre o seu mundo além-túmulo e o mundo dos vivos um canal de comunicação, um meio de captação da sua voz - o necrofone. Pairam as seguintes perguntas: o que teria esse morto a dizer? quando ele viveu? onde se deu a sua história? Com a inserção de "Fiz um samba", a névoa começa a se dissipar, as imagens ficam mais claras, somando-se aos versos. A música dá pistas em direção a algumas respostas para os questionamentos anteriores, pois, por várias razões, auxilia no encaminhamento do olhar do espectador em direção ao passado, participa da localização da história no espaço e constitui as primeiras palavras do defunto.

"Fiz um samba" traz para o filme o peso da tradição do samba, gênero musical nascido, segundo Ricardo Cravo Albin, em meio à população mais pobre do Rio de Janeiro. Enquanto a classe alta se divertia nos carnavais à moda européia, a parcela mais necessitada dos habitantes da cidade, "especialmente os que descendiam dos guetos da escravidão e que habitavam os cortiços negros paupérrimos da Cidade Nova e da Central do Brasil (...), continuava a exercitar-se nos seus batuques e nas rodas de pernada e de capoeira"[20]. Portanto, em um contexto de urbanidade, o samba nasce da percussão e das palmas que atravessaram o século XIX sonorizando as batucadas produzidas pelos negros pobres. José Ramos Tinhorão acrescenta que o samba surgiu por volta de 1870 como som dos animados blocos e cordões carnavalescos do Rio[21]. Com o primeiro sucesso, "Pelo Telefone" (1917), o gênero desponta na cidade, e, nas décadas de 20 e 30, torna-se um fenômeno de "expressão de grupos sociais marginalizados que tomavam o espaço da cidade na festa carnavalesca, e que marcavam a sua diferença e o seu desejo de pertinência através da música"[22].

Embora "Fiz um samba" se filie a toda essa tradição, fazendo com que o espectador do filme, também por isso, se transporte para o pretérito, é preciso abordar as especificidades dessa peça musical, pois, ao longo do tempo, os artistas criaram dentro do samba sonoridades variadas, que tiveram como decorrência uma diversidade de estilos, tais como o samba de breque, o samba-choro, o samba-enredo, o samba-exaltação, o samba de partido alto e o samba-canção. É sob esta última tipologia que "Fiz um samba" aparece na base de dados da FUNARTE. Eis os registros da gravação:

Autor: José Borba
Título: FIZ UM SAMBA
Gênero: samba-canção
Intérprete: FRANCISCO ALVES
Gravadora: COLUMBIA
Número: 55.246-A
Matriz: 326
Data gravação: 22.10.1940
Data lançamento: novembro/1940

No final da década de 20 ascende o samba-canção. As músicas com essa sonoridade ficaram conhecidas na época como sambas de meio de ano, por serem os discos do gênero lançados sempre fora do período carnavalesco, tomado pelo samba de ritmo mais acelerado. Segundo José Ramos Tinhorão, o samba-canção foi um empreendimento de compositores semi-eruditos, tais como Henrique Vogeler, Heckel Tavares, Joubert de Carvalho, e de músicos capacitados como Sinhô, que buscaram enfatizar nesses sambas mais o aspecto melódico que o sincopado. O autor acrescenta que esses músicos foram os


pioneiros da tentativa de adaptação do ritmo do samba (com a modificação do seu andamento) a fim de obter uma forma mais nobre de composição, ou seja, um tipo de samba que permitisse maior riqueza orquestral e um toque de romantismo capaz de servir às letras de fundo nostálgico e sentimental, características da música da classe média brasileira, desde o tempo da modinha imperial[23].


Com "Fiz um samba", as memórias de Brás Cubas são situadas no contexto da cidade do Rio de Janeiro. O espectador é encaminhado em direção ao Rio antigo, através dos ruídos da gravação e da melodia sentimental do samba-canção. O diretor empresta ao falecido o canto carregado de antiguidade de Francisco Alves (o rei da voz), que, mesmo na gravação datada de 1940, ainda soa como o cantor que aprendeu o ofício e deu início à carreira antes do surgimento do microfone e da gravação elétrica de discos. Em suma, seja pelo estilo de cantar, seja pela potência de sua voz, em "Fiz um samba", o registro vocal de Francisco Alves soa de forma extremamente longínqua aos nossos ouvidos pós-bossa nova[24].

Resta ainda uma importante pergunta: com a utilização das imagens e do samba como poderia o diretor, sem repetir o texto machadiano, recriar o humor do autor presente já nos passos iniciais de Memórias póstumas de Brás Cubas? É sobre este ponto que a letra de "Fiz um samba" exerce maior poder. Nos primeiros minutos do filme, o cineasta está concentrado na abertura do romance, composta por uma dedicatória aos vermes, na qual o narrador se coloca enquanto defunto; por uma nota "ao leitor", em que Brás Cubas pensa sobre as suas influências no processo de reconstituição de suas memórias; e pelo capítulo I, cujas primeiras informações dão conta de que tudo começa pelo falecimento do narrador.

No livro, o morto narra em primeira pessoa a sua história; no filme, inicialmente, canta em primeira pessoa os versos de José Borba. A primeira metade da letra entra no filme quando da inversão do plano, que coloca o morto em posição de iniciativa. Este, emoldurado pelo registro vocal do "rei da voz", canta uma letra na qual o eu lírico[25] repete o seguinte refrão: "Eu fiz um samba para o meu amor". A repetição deste verso, construído com um verbo no passado, reforça ainda mais o caráter de reminiscência da história de Brás Cubas; reforça também a filiação à tradição do samba, que, além de constituir o gênero da canção, está inserido na letra. Os seis versos que precedem o refrão na primeira parte se referem à situação ou ao lugar de onde fala eu lírico: "Dos casebres da favela/ Do silêncio da capela/ Onde eu rezo com fervor/ Da luz clara do luar/ Que ilumina o céu e o mar/ E as campinas sempre em flor". Essas palavras encaminham o espectador em direção à sentimentalidade de um "eu" que se insere em um contexto de pobreza e religiosidade, algo bastante irônico quando pensamos no personagem machadiano Brás Cubas, filho de uma família de posses que explora o trabalho escravo. Contudo, se o espectador não for detentor dessas informações sobre o livro, até aqui não perceberá esse descompasso entre o contexto inserido na canção e o contexto em que se passam as memórias do "defunto autor".

Júlio Bressane, nesse momento inicial, com sua estratégia de uso de música e imagens, recria a abertura do livro, em cujo primeiro parágrafo o narrador brinca com as palavras e joga com as noções de vida e morte.


Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco[26].


Machado de Assis constrói, no trecho em questão, uma narrativa irônica pautada em idéias opostas, tais como princípio/fim, nascimento/morte, autor defunto/defunto autor, campa/berço e intróito/cabo. Roberto Schwarz, que se concentra em vários aspectos dessa passagem, percebe em sua construção musicalidade e humor:


a música do primeiro parágrafo é sintática, e seu humor está na tensão entre o desenho gramatical elegante e o absurdo do que é dito. O leitor interessado consinta em reler a passagem, atentando no movimento. O ritmo é estritamente binário, marcado por alternativas, paralelismos, antíteses, simetrias, disparidades. Assim de início o narrador hesita entre dois modos de abrir as suas memórias, se pelo princípio, se pelo fim (...)[27].


O autor de Um mestre na periferia do capitalismo chama a atenção para o ritmo binário no trecho do livro de Machado de Assis, o que possibilita uma analogia com o samba, que tem, freqüentemente, este mesmo tipo de compasso[28]. Ademais, as idéias opostas levantadas por Schwarz no primeiro parágrafo do capítulo I são recriadas no filme com a entrada da segunda metade da letra, que persiste no tom religioso e sentimental, porém a posição do sujeito é desenhada em alguns aspectos de forma antitética em relação à primeira parte, que trazia a luminosidade da "luz clara do luar", que desaparece na segunda parte, tomada pela "escuridão" e pela "chuva": "Da noite escura sem lua/ Da chuva que cai na rua/ Aumentando a minha dor/ Do pranto dos olhos meus/ Da fé que eu tenho em Deus/ Nosso pai nosso senhor". O tom irônico da abertura de Memórias póstumas de Brás Cubas se constrói aos poucos na película, com a introdução das imagens que não se encaixam no contexto sugerido pela segunda metade da letra da canção. Com a realização do primeiro corte, mesmo o espectador que não é conhecedor do livro passa a ter acesso à ironia, pois surge na tela, primeiro, a imagem de um formigueiro em movimentada atividade, sucedida pela focalização de um jardim elegante e depois do mar com montanhas ao fundo. O formigueiro provoca o primeiro choque, já que a imagem transmite uma voracidade oposta ao lirismo do samba; a seguir, enquanto a letra trata da "noite escura", da "chuva" e da "dor", as imagens são de um sofisticado jardim e do mar iluminado do Rio de Janeiro. Então, o samba cessa, mas continua "dos casebres da favela" ecoando ironicamente na cena seguinte, na qual a face "elegante" da sociedade do Rio de Janeiro, em uma residência finamente decorada, chora a morte de Brás Cubas. Nesse momento, o espectador, que foi gradativamente encaminhado ao Rio antigo pela sonoridade da canção e pela visão do mar, pode, através das imagens detalhadas da residência de Brás Cubas e daqueles que choram sua morte, localizar-se no tempo com maior precisão, completando o trajeto até o contexto do século XIX, no qual se situam as memórias do narrador.

BRÁS CUBAS E VIRGÍLIA: O BAIÃO COMO PONTO DE ENCONTRO

No minúsculo capítulo CXXX de Memórias póstumas de Brás Cubas, já próximo do fim do romance, Machado de Assis constrói um contexto ficcional que contribui para o delineamento dos contornos da superficialidade das relações de Brás Cubas. O narrador, depois de algum tempo, reencontra o seu amor mais duradouro, Virgília, mulher com quem viveu uma longa relação marcada por encontros fortuitos, que ocorriam, primeiro, na própria residência que esta dividia com seu marido Lobo Neves e, depois, em uma casinha alugada na Gamboa. Assim, Virgília mantinha o estatuto de senhora casada e, ao mesmo tempo, vivia com Brás um amor que foi "como as plantas que nascem e crescem depressa", embora o narrador acrescente não saber ao certo "os dias que durou esse crescimento"[29]. Pois bem, o capítulo CXXX é constituído por uma narrativa que se divide, basicamente, em três estágios: no primeiro, Brás Cubas descreve a situação em que ocorreu o encontro e avalia o que vê; em seguida, o narrador comenta o tipo de conversa mantida pelos dois; e, por fim, há a separação.

O encontro ocorre em um baile no ano de 1855. Em tal ocasião Virgília veste um "soberbo vestido de gorgorão azul", exibindo, sob as luzes, a sinuosidade dos seus ombros aos olhos de seu ex-amante, que faz a seguinte avaliação: "Não era a frescura da primeira idade; ao contrário; mas ainda estava formosa, de uma formosura outoniça, realçada pela noite". Sobre a longa conversa que tiveram, Brás acrescenta que nada do que foi dito fez alusão ao passado, pois "subentendia-se tudo. Um dito remoto, vago, ou então um olhar, e mais nada". Ao ver Virgília descer as escadas, quando da sua retirada, o narrador murmura "magnífica", acrescentando, em um misto de crueldade e nostalgia que esta palavra é, para ele, "profundamente retrospectiva".

Já próximo do fim do filme, Júlio Bressane opta por uma adaptação radical do capítulo em questão e, assim como na primeira cena (a do "necrofone"), novamente utiliza a música como um recurso capital da sua narrativa cinematográfica. Desta vez, a canção "Qui nem jiló" (1950), de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, atravessa toda a seqüência de imagens. Inicialmente, em um ambiente escuro, o cineasta filma, quase em close e com uma movimentação de câmera bastante vagarosa, o que parece ser um objeto decorativo de grande luxo. Refiro-me a tal artefato como "objeto" porque o plano é tão fechado que se faz impossível ter certeza absoluta em relação à definição do que seja. A velocidade lenta da filmagem permite que o espectador perceba nitidamente, isto sim, a sua austeridade e robustez. Há um corte, a escuridão é sucedida pela claridade do dia. Virgília desce uma escada acompanhada por um homem elegantemente trajado, projeta o olhar sobre os ombros desnudos dentro de um vestido azul rodado; tudo isso enquanto Brás a observa de uma janela. Uma mão aparece em cena, realiza um movimento que sugere um corte e a música cessa.

A essa altura do filme, o contexto em que se passam as memórias de Brás Cubas já está dado, ou seja, está claro que as ações acontecem no Rio de Janeiro, pelos idos do século XIX, numa fase em que a escravidão ainda está em curso. Está posto, também, que o narrador era um herdeiro do modo de vida burguês, com trânsito nos círculos abastados da sociedade. Ademais, nesse ponto, já é perceptível a natureza superficial das relações de Brás Cubas com as mulheres. Detentor dessas informações, o espectador tem na combinação do baião "Qui nem jiló" com a imagem enigmática do objeto decorativo a chave de leitura para compreender a transcriação do capítulo CXXX, dessa vez, com o empréstimo da voz de Luiz Gonzaga.

Novamente a canção é inserida com a obtenção de um efeito duplamente eficaz, ou seja, o diretor opera com a tradição do gênero musical e ao mesmo tempo com o empréstimo, pelo menos, de uma pequena parte da letra como codificação do pensamento, da fala, ou ainda, das sensações de Brás Cubas, embora dessa vez me pareça que a atuação desse elemento se dê de forma menos incisiva na construção de sentido, ou melhor, que atue de forma diferente nessa construção. Nas cenas em questão, a música primeiro se faz enigma, pois é executada paralelamente à filmagem do grandioso objeto, criando um efeito de estranhamento, pois o baião leva os pensamentos para uma viagem solar em direção ao Nordeste, enquanto a cena, de duração de aproximadamente um minuto, embora não possibilite uma visão panorâmica, remete o espectador a um ambiente noturno de elegância e opulência. O ritmo descontraído de "Qui nem jiló" se contrapõe aos sessenta segundos da lenta filmagem do objeto. Esse mesmo ritmo se oferece ao espectador de Brás Cubas como embalo para uma dança de "rasta pé", enquanto a imagem noturna do objeto elegante sugere outro tipo de bailado.

Ricardo Cravo Albin, no seu O livro de ouro da MBP, dedica um longo trecho ao tradicional baião de Luiz Gonzaga. Segundo ele, o termo que dá nome ao gênero seria uma derivação de "baiano", uma dança popular do nordeste do Brasil, já conhecida desde fins do século XIX. Esse baião de raiz era executado sempre em unidades de compasso par, com a utilização de viola, pandeiro, botijão e rabeca. Em 1945, Luiz Gonzaga encontra Humberto Teixeira e os dois trazem o gênero, sob nova roupagem, ao contexto da música popular urbana. Esse novo baião é entoado ao som de acordeom, triangulo e zabumba. Em 1946, os dois apresentam a novidade na canção "'Baião', por 4 Ases e um Curinga, pelo selo Odeon, cuja letra dizia, 'Eu vou mostrar pra vocês/ Como se dança o baião/E quem quiser aprender/É só prestar atenção'"[30]. A moldura formal do sucesso urbano do baião, para o autor, foi o "ritmo buliçoso, alegre e descontraído", que trazia dentro de si as histórias e os traços do povo Nordeste. Algo semelhante ao que afirma José Miguel Wisnik.


Na passagem dos anos 40 para os anos 50 é que a música popular no Brasil tomará um aspecto mais abrangente, globalizando o País nas suas regiões e penetrando mais fundo no tecido da vida urbana. Os ritmos nordestinos ganham uma compactação no baião de Luiz Gonzaga (...)[31].


Ou seja, mesmo se espraiando pelos centros urbanos, o baião de Luiz Gonzaga tinha como característica a forte "nordestinidade" do seu ritmo e das suas letras, ainda que numa roupagem mais adaptada aos ouvidos da cidade grande. Vale citar o enorme sucesso de "Asa Branca", de 1947, uma toada cujo tema é o sofrimento do povo nordestino diante da seca. Gonzagão, ao som do acordeom, cantou aos quatro ventos: "Quando olhei a terra ardendo/ Qual fogueira de São João/ Eu perguntei a Deus do céu/ Por que tamanha judiação".

O que tento mostrar aqui, é que a construção do desajuste, do descompasso entre o que se ouve e o que se vê na referida cena de Brás Cubas, faz com que a canção, no que se refere principalmente à sua letra, acabe funcionando, em alguma medida, como um som impreciso ao fundo. O estranhamento provocado pela combinação das imagens com o baião pode ser mais bem compreendido se observado o raciocínio de José Miguel Wisnik, que lembra que "o grau de ruído que se ouve num som varia conforme o contexto"[32]. Tal pensamento amplia as possibilidades de reflexão sobre esse tipo de sonoridade, freqüentemente associada a sons desagradáveis como o da microfonia ou o do chiado entre as estações quando giramos o botão do rádio. O autor lembra, entretanto, que a música, em determinados contextos, também pode funcionar como algum grau de ruído:


Um intervalo de terça maior (...) é dissonante durante séculos, no contexto da primeira polifonia medieval, e torna-se plena consonância na música tonal. Um grito pode ser um som habitual no pátio de uma escola e um escândalo na sala de aula ou num concerto de música clássica. Uma balada "brega" pode ser embaladora num baile popular e chocante ou exótica numa festa burguesa (...). Tocar um piano desafinado pode ser uma experiência interessante no caso do ragtime e inviável em se tratando de uma sonata de Mozart. Um cluster (...) pode causar espanto num recital tradicional, sem deixar de ser tedioso e rotinizado num concerto de vanguarda acadêmica. Um show de rock pode ser um pesadelo para os ouvidos do pai e da mãe e, no entanto, funcionar para o filho como canção de ninar no mundo do ruído generalizado[33].


No minuto que a câmera leva para percorrer o elegante objeto, o enigma proposto pela imagem domina a cena. A indefinição do ruído se dá muito mais na instância da letra, pois a tradição do gênero musical em questão, complementada pela voz de Luiz Gonzaga, tem certo grau de sobrevivência ao mistério. Assim, ainda que a imagem escura capte quase toda a atenção, para aqueles que durante as suas vidas tiveram acesso à sonoridade do baião, a rápida introdução musical no início da cena não deixa dúvidas. A letra, por outro lado, acaba tendo um efeito semelhante ao das palavras ouvidas em uma rádio mal sintonizada; o espectador sabe que algo está sendo codificado, porém não há área de atenção disponível para a sua decodificação, visto que o mistério da imagem se impõe[34]. A conversa trivial entre Brás Cubas e Virgília, na qual não há alusão "a cousa nenhuma do passado"[35], é traduzida criativamente pela imprecisão da música-ruído.

A música, que faz a ligação entre as duas partes da seqüência, na segunda já não sofre a concorrência do enigma, o que torna o som mais evidente. Com o primeiro corte, o espectador passa a ter diante de si uma imagem panorâmica diurna que lhe permite identificar claramente o que está acontecendo: Brás Cubas vê de uma janela Virgília descendo a escada com seu elegante vestido azul. A parte clara da seqüência dura apenas poucos segundos, que são suficientes para que Luiz Gonzaga cante duas vezes "Saudade o meu remédio é cantar", verso que, diante do novo contexto, se faz retumbante. Ainda que o baião continue não sendo coincidente com a imagem apresentada, a quebra promovida pela troca da noite pelo dia e pela a repetição do verso através da voz forte de Luiz Gonzaga funciona como uma espécie de despertador da atenção. Assim, mesmo que, no filme, Brás não diga a palavra "magnífica", os dois versos cantados por Gonzagão dão o tom de retrospectiva que o narrador atribui, no romance, à sua impressão de Virgília. Portanto, toda a narrativa referente ao baile e à conversa entre Virgília e Brás Cubas é recriada na cena escura de um minuto. Bressane dá andamento ao fim da seqüência sob a luz do dia, reafirmando a liberdade com que realiza a adaptação. A inclusão, à vista do espectador, da mão que sinaliza o momento de encerrar a música reafirma a especificidade da materialidade cinemática. A utilização de tal recurso coloca simultaneamente em cena o filme, o processo de filmagem e o romance enquanto origem rasurada.

Epílogo

Entre todas as rasuras ao texto de Machado, talvez a de maior ousadia seja o quase desaparecimento da voz definida do narrador, pois apenas poucas frases emblemáticas da ironia de Brás Cubas foram mantidas, tais como: "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis", "Porque bonita, se coxa? Porque coxa, se bonita?", "Virgília comparou a águia e o pavão, e elegeu a águia, deixando o pavão com seu espanto, o seu despeito, e três ou quatro beijos que lhe dera. Talvez cinco beijos". Porém, apesar da voz de narração quase não aparecer no filme, tal qual configurada no romance, isto não significa que a narração desapareça, o que ocorre é que a mesma se dá em Brás Cubas de outra forma, como se pôde ver. Júlio Bressane enxerga no livro de Machado um "caráter interdisciplinar, experimental, pois se situa em uma fronteira-margem. É livro no limite do livro, da música, da pintura e do...filme!"[36]. Com esses diferentes elementos do romance, dá-se a construção cinematográfica da narração, que força os limites entre as linguagens.

O recorte escolhido pinça apenas dois momentos que exemplificam a participação da música na construção de sentido nessa adaptação cinematográfica. Contudo, muitos outros se exibem aos olhos e ouvidos da audiência, tais como, a imagem de Brás Cubas ao piano, o violoncelista misterioso que aparece e desaparece de cena, a expressão corporal na dança de Quincas Borba e os incontáveis fragmentos de peças musicais. Todos exemplos da complexa inserção da música no filme. Música que se materializa em voz narrativa. Música que se faz proliferação. A saída é ver e rever e rever.

 

Bibliografia

ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Cravo Albin da música popular brasileira (on-line). www.dicionariompb.com.br.

_______. O livro de ouro da MPB. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

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GUMBRECHT, Hans Ulrich. O campo não-hermenêutico ou a materialidade da comunicação. Trad. João Cezar de C. Rocha. In: Corpo e forma. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998, p.137-151.

_______. Modernização dos sentidos. Trad. Lawrence Flores Pereira. São Paulo: Editora 34, 1998.

OLIVEIRA, Solange Ribeiro de. Literatura e música. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo. 3a ed. São Paulo: Duas Cidades, 1998.

TINHORÃO, José Ramos. Música popular: um tema em debate. 3a ed. São Paulo: Editora 34, 1997.

XAVIER, Ismail. Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema. In: Literatura, cinema e televisão. São Paulo: Editora Senac: Instituto Itaú Cultural, 2003, p.61-89.

WISNIK, José Miguel. O Som e o sentido. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

_______. Algumas questões de música e política no Brasil. Alfredo Bosi (org.). In: Cultura brasileira - temas e situações. São Paulo: Editora Ática, 1999, p.114-123.

ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz: a literatura medieval. Trad. Amálio Pinheiro, Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.



[1] GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos sentidos. Trad. Lawrence Flores Pereira. São Paulo: Editora 34, 1998.

[2] GUMBRECHT, Hans Ulrich. O Campo não-hermenêutico ou a materialidade da comunicação. Trad. João Cezar de C. Rocha. In: Corpo e forma. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998, p. 137-151.


[3] ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz: a literatura medieval. Trad. Amálio Pinheiro, Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

 

 


[4] GUMBRECHT, Hans Ulrich. O Campo não-hermenêutico ou a materialidade da comunicação. In: Corpo e forma, p. 145.


 



[5] OLIVEIRA, Solange Ribeiro de. Literatura e música, p. 46.


[6] ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

[7] Daqui em diante, por vezes, farei referência a Memórias póstumas de Brás Cubas desta forma.

 

 

 

[8] BRESSANE, Júlio. Brás Cubas. In: Cinemancia, p. 49-59.

 

 

 

[9] BRESSANE, Júlio. Brás Cubas. In: Cinemancia, p. 49-59.

 

 

[10] XAVIER, Ismail. Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema. In: Literatura, cinema e televisão, p. 68.

 

 

 

[11] AVELLAR, José Carlos. Cinema e literatura no Brasil, p. 122.

 

 

 

 

 

[12] SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo, p. 29.

 

 

[13] Idem, ibidem, p. 56.

 

 

 

 

[14] Idem, ibidem, p. 191.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[15] WISNIK, José Miguel. O Som e o sentido, p. 9.

 

 

[16] Idem, ibidem, p. 33.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[17] Expressão utilizada por Júlio Bressane no ensaio "Brás Cubas".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[18 ]WISNIK, José Miguel. O Som e o sentido, p. 33.

 

 

 

[19] BRESSANE, Júlio. Brás Cubas. In: Cinemancia, p. 58.

 

 

 

 

 

 

 

[20] ALBIN, Ricardo Cravo. O livro de ouro da MPB, p.64.



[21] TINHORÃO, José Ramos. Música popular: um tema em debate, pp.17-18.


[22] WISNIK, José Miguel. "Algumas questões de música e política no Brasil". In: Cultura brasileira - temas e situações, p.119.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[23] TINHORÃO, José Ramos. Música popular: um tema em debate, p. 53.

 

 

 

[24] Segundo Ricardo Cravo Albin, o samba-canção muda bastante a partir dos anos 50, incorporando características orquestrais e temas muito mais latino-americanos. Não é por acaso que o autor dá a esse trecho de seu livro o subtítulo "Estar na fossa". Ele cita como referência os boleros e os cabarés. (pp. 152-159)

 

 

 


[25] Utilizarei os termos "eu lírico" e "sujeito" para fazer referência ao "eu" expresso no samba-canção.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[26] ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas, p. 31.

 

 

 

 

 

 

[27] SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo, p. 25.

 

[28] Ainda que, por vezes, o compasso binário possa ser duplicado, o que resulta em ritmo de quatro tempos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[29]As divagações de Brás Cubas sobre a duração de seu amor por Virgília estão no capítulo LIII de Memórias póstumas de Brás Cubas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[30] Verbete "baião" do Dicionário Cravo Albin da música popular brasileira on-line. O endereço eletrônico é o seguinte: www.dicionariompb.com.br.

 



[31] WISNIK, José Miguel. Algumas questões de música e política no Brasil. In: Cultura brasileira - temas e situações, p. 120.

 

 

 

 



[32] WISNIK, José Miguel. O Som e o sentido, p. 32.

 

 

 

 

 

 

[33] Idem, ibidem.


[34] A parte da letra que se torna quase imperceptível é a seguinte: Se a gente lembra só por lembrar/ o amor que a gente um dia perdeu/ saudade inté que assim é bom/ pra cabra se convencer/ que é feliz sem saber/ pois não sofreu - (fim 1a estrofe) - Porém se a gente vive a sonhar/ com alguém que se deseja rever/ saudade entonce aí é ruim/ eu tiro isso por mim/ que vivo doido a sofrer - (fim 2a estrofe) - Ai quem me dera voltar/ pros braços do meu xodó/ saudade assim faz roer/ e amarga que nem jiló - (fim 3a estrofe) - Mas ninguém pode dizer/ que me viu triste a chorar.

[35] ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas, p. 223.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[36] BRESSANE, Júlio. Brás Cubas. In: Cinemancia, p. 51.

 

 

 

 

 

 

 

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